Creio que eu e Julio Cortázar professamos visões políticas muito diferentes. Mas também creio que, no fim das contas, opiniões são a coisa mais superficial a respeito de qualquer pessoa.
Jorge Luis Borges
Ah, meu caro Borges! O que seria do mundo se adotássemos a sua lucidez? Citado em Seven Conversations with Jorge Luis Borges, de Fernando Sorrentino.
Li esta logo no comecinho de Seven Conversations with Jorge Luis Borges, de Fernando Sorrentino, e não pude deixar de pensar em A barragem: porque algumas pessoas são curiosas o bastante para proteger-se da produção cultural da sua época:
Nasci em 24 de agosto de 1899. Fico feliz com isso porque gosto muito do século dezenove, embora possa ser dito em detrimento do século dezenove que ele conduziu ao século vinte, que acho menos admirável.
Jorge Luis Borges
Shaj Mathew
[…]
Seu problema com o futebol era a cultura das torcidas, que ele associava àquela sorte de apoio popular cego que havia sustentado os líderes dos movimentos políticos mais horrendos do século vinte. Ao longo da vida Borges tinha visto emergirem na esfera política argentina elementos de fascismo, de Peronismo e até de antissemitismo, pelo que sua forte desconfiança com relação aos movimentos políticos populares e à cultura de massa – o ápice da qual, na Argentina, é o futebol – é compreensível.
Nasci em 24 de agosto de 1899. Fico feliz com isso porque gosto muito do século dezenove, embora possa ser dito em detrimento do século dezenove que ele conduziu ao século vinte, que acho menos admirável.
Jorge Luis Borges
Das lembranças que trago da Era Offline esta não é pequena: a sensação de correr ativamente atrás da cultura de massa, de ansiar por ela, de jogar-me no seu caminho, de implorar que ela se despejasse sobre mim – em vez de, como hoje, viver perseguido pela produção cultural na muralha perpetuamente autorregenerada de links da internet, cada um deles redigido para ter maior sucesso em me seduzir e desencaminhar
► Quando minha sobrinha de 14 anos vem contar as memórias bonitas que angariou durante a semana entendo como deve ser forte a frustração de crianças e jovens diante da incapacidade dos adultos em geral de maravilhar-se de coisas pequenas. Certo que pressão alta, conta negativa no banco e orçamentos de encanador podem requerer atenção urgente e prioritária, mas não têm como ser mais interessantes do que um livro, uma festa de aniversário, um poema, um cartão de aniversário feito à mão, uma ida ao restaurante, um vídeo do youtube, uma visita ao museu, um encontro fortuito no corredor da escola, um esmalte
“O que é uma inteligência infinita?”, indagará talvez o leitor. Não há teólogo que não a defina; eu prefiro um exemplo. Os passos que dá um homem, desde o dia de seu nascimento até o da sua morte, desenham no tempo uma inconcebível figura. A Inteligência Divina intui essa figura imediatamente, como a dos homens um triângulo. Esse desenho tem (quem sabe) sua determinada função na economia do universo.
Jorge Luis Borges, numa nota de rodapé
Leia também:
O desenho e seu nome
A peça ininterrupta
Enquanto um autor se limita a narrar acontecimentos ou a traçar os tênues desvios de uma consciência, podemos supô-lo onisciente, podemos confundi-lo com o universo ou com Deus; quando se rebaixa a raciocinar, sabemo-lo falível. A realidade procede dos fatos, não dos raciocínios; a Deus toleramos que se afirme “eu sou o que sou” (Êxodo 3:14), não que declare ou analise, como Hegel ou Anselmo, o argumentum ontologicum. Deus não deve teologizar; o escritor não deve invalidar com razões humanas a momentânea fé que exige de nós a arte. Há outro motivo: o autor que mostra aversão por um personagem parece não
É ateu, mas sabe interpretar de um modo ortodoxo as mais árduas passagens do Alcorão, porque todo homem culto é um teólogo, e para sê-lo não é indispensável a fé.
Jorge Luis Borges, pausando sobre Omar Khayyām
em suas Otras Inqusiciones (1952)
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Minha disciplina pessoal mais antiga é escrever histórias. Escrevo desde muito cedo, e contar histórias foi para mim uma resposta muito natural a um mundo generosíssimo que cercou-me de narrativas desde o berço, maravilhando-me e calibrando-me continuamente através delas. Nas canções de ninar, na literatura, nos filmes e séries da televisão, nas novelas e desenhos animados, no cinema, no teatro e na ópera (mais ou menos nesta ordem) fui encontrando um universo que dançava ao meu redor oferecendo-se para contar uma história sempre que eu me dispusesse a parar para ouvir. Escrever foi para mim uma forma de retribuir esse desprendimento,