Foi precisamente essa perda de contato com o passado, nosso desenraizamento, que deu origem aos “descontentamentos” da civilização, a uma pressa e uma agitação tão grandes que vivemos mais no futuro com suas quiméricas promessas do que no presente, cujo passo acelerado nosso pano de fundo evolucionário não aprendeu ainda acompanhar. Precipitamo-nos impetuosamente novidade adentro, guiados por um senso cada vez mais acentuado de insuficiência, de insatisfação e de inquietação. Não vivemos mais daquilo que temos, vivemos de promessas; deixamos de viver à
A manipulação deliberada e inteligente dos hábitos e opiniões organizados das massas é elemento fundamental de uma sociedade democrática. Os que manipulam esse mecanismo oculto da sociedade constituem um governo invisível que representa o verdadeiro poder dirigente do nosso país.
Somos governados, nossas mentes são moldadas, nossas preferências formadas, nossas ideias sugeridas em grande parte por homens dos quais nunca ouvimos falar.
[. . .] Em praticamente tudo que fazemos na vida diária, seja na esfera política ou nos negócios, seja em nossa conduta social ou convicção ética, somos dominados por um número relativamente pequeno
Não tenho televisão há mais de dez anos, e um dos efeitos colaterais dessa condição é o sobressalto. Seja onde for, encontrar um aparelho de tv ligado não tem como gerar em mim estranheza menor do que produziria encontrar naquele mesmo canto uma ariranha, um grifo ou um zumbi acorrentado. Que os outros no aposento ignorem por completo a ameaça só contribui para acentuar o senso de afastamento da realidade da coisa toda.
A ressalva é que, sendo gente, não ignoro o fascínio quase doméstico de ariranhas, grifos e zumbis.
Porém existe um horror cósmico que nada tem de doméstico: um horror de indiferenças ciclópicas, um estranhamento
O governo que não deve ser nomeado deflagrou uma semana de rigoroso Choque e pavor – a tática militar de ocupar dando demonstrações múltiplas e espetaculares de força, de modo a desestimular qualquer resistência.
Numa semana, o governo que até segunda ordem é interino divulgou estar pronto para:
Isso só para citar as medidas mais desconcertantes, e sem pausar para examinar a ficha de antecedentes dos ministros apontados, do novo líder do governo e do próprio presidente em exorcismo.
Embora espero que seja poupado desse constrangimento, você vai encontrar brasileiros satisfeitos com esse pacote de propostas. O motivo da satisfação?
Escolhemos o câncer como o modelo do nosso sistema social.
Ursula K. Le Guin
É inveja.
Invejamos os protagonistas de séries como The Walking Dead e Mad Max porque a realidade deles é uma crise mais pura e depurada do que a nossa. O paradoxo do Apocalipse é que com a sua chegada a realidade se torna mais crítica, mas também mais simples e – numa infinidade de sentidos – menos exigente. Os habitantes do fim do mundo estão ao mesmo tempo vivos e livres de tudo que é acessório: não há condição que secretamente desejemos com maior intensidade, embora lutemos contra ela todos os dias.
E aparentemente não é que vamos ter
Ironicamente, quanto mais propagamos gestos espontâneos, despretensiosos, naturais, puros ou sinceros, mais sintéticos, autoconscientes, simulados ou fingidos nos tornamos.
Finalmente conseguimos: o Brasil é um exemplo para o mundo.
Não faz ainda três anos, um consórcio internacional de amigos meus decidiu, com a minha conivência, que o Brasil estava no topo da lista dos lugares do mundo em que era menos provável que o fascismo levantasse a sua cara.
Ah, se estávamos errados. Fascismo, só para tirar a sua dúvida, é quando mães são agredidas porque seus bebês estão usando roupas da cor errada. Não deve haver dúvida: quando parte que seja da população acredita poder determinar quem tem razão através de um código de cores, o tecido social está já bem rompidinho.
Outra indicação da vitória do
– Tem uma página na internet, esqueci o endereço – me disse o Zé Márcio – que mostra um mapa-múndi e uma linha do tempo. Você arrasta para a direita o triângulo que representa um ponto remoto na linha do tempo, e faz com que as fronteiras nacionais mostradas no mapa se ajustem à medida em que as datas destacadas se aproximam da nossa. Você vê o contorno do Império Romano, e no instante seguinte o sul da Europa e o norte da África pertencem já aos muçulmanos. Aqui a Índia e a África pertencem aos portugueses, no momento seguinte a América do Norte aos espanhóis. Agora a Itália ainda não existe, agora a Alemanha engole
Mas para a presente era, que prefere o signo ao significado, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência à essência. . . a verdade é considerada profana e somente a ilusão é sagrada.
Ludwig Feuerbach, no prefácio da segunda edição (1843) de A essência do cristianismo. Debord usou esta citação como epígrafe de A sociedade do espetáculo
Tudo começou, claro, em 1967.
Os demógrafos explicam que entre 1965 e 1970 a Terra testemunhou a mais alta taxa de crescimento de todas as eras dos homens: 2,1 por cento ao ano. Inteiramente empenhado em cometer tanta gente, o universo cometeu um deslize e – depois
Tudo que eu queria era escrever um romance: isto é, queria represar uma história entre as páginas de um livro.
Em vez disso fiquei conhecido como blogueiro, mas isso não quer dizer mais nada: com toda a probabilidade você está lendo esta nota não porque acompanha o meu blog, mas chegou aqui através do twitter ou do facebook.
Porque, ouça, as pessoas não leem mais romances. As pessoas não acompanham mais blogs. Romances e blogs são instrumentos e vozes de uma outra era; quando não se calam é por teimosia e por amor à forma, como aqueles diletantes que tiram fotos com rolos de filme ou ouvem discos de vinil porque garantem que o
Por milênios as instituições se perpetuaram com base em autoridades “fortes” e centralizadas, coisas como a vontade de Deus e o direito de sangue das monarquias. Eram autoridades que os próprios discursos oficiais tomavam por inquestionáveis. Qualquer dissidência tinha de ser tomada como absurda e sem fundamento, e todo dissidente tinha de ser tirado espetacularmente do tabuleiro, devidamente desqualificado pela nudez, pela tortura, pela forca, pelo fogo ou pela cruz.
Apesar de terem funcionado por séculos, o fato de serem fortes e centralizadas era para essas autoridades, sem que ninguém se desse conta, uma desvantagem. Seu ponto
Para entender como isso funciona pode ser útil prover um sumário da história da ideia de doença mental. Nesta seção quero resumir A história da loucura de Michael Foucault, valendo-me ainda de Deviance and Medicalization: From Badness to Sickness, de Peter Conrad e Joseph W. Schneider. Enquanto examinamos essa história é fundamental que reflitamos sobre a nossa própria experiência nos serviços sociais. O quanto nossas instituições refletem os valores, trajetórias e estruturas das instituições que descobrimos aqui?
A sociedade ocidental é singular na sua compreensão de que a “loucura” é uma “doença mental”. De que